quarta-feira, dezembro 12, 2007

Caselli polemiza em entrevista

por Lenissa Lenza
da Próxima Cena





Oficineiro da 2º Semana do Audiovisual (SEDA) Christian Caselli ‘rasga o verbo’ ao discutir um pouco sobre a SEDA, Cinema e o audiovisual. Sem papas na língua, Caselli faz críticas, expõe suas angústias e comete blasfêmia: “Tem clipe melhor que longa!” É nessa toada que o ‘anarquista’ do audiovisual autoral brasileiro nos concede uma grande entrevista. Confiram!


P.C.: Qual a sua expectativa em participar a primeira vez da Semana do Audiovisual?
Caseli: Bom, na altura do Festival Calango recebi o convite do Ahmad Jarrah (produtor) para fazer um retrospectiva em Cuiabá durante o evento, o que me deixou imensamente feliz. Eu já havia recebido convite para outras retrospectivas, mas sempre em mostras de cinema. Quando eu vi que era um evento de rock pensei: "cara, realmente tô no caminho certo", (risos). Fiquei extremamente honrado e quando conheci a galera do Cubo, fiquei encantado, pois era um pessoal extremamente batalhador e bacana à beça. Sobre a SEDA, acho que tenho muito a ganhar, mesmo sendo o "oficineiro", pois é um pessoal com uma experiência nova de coletividade. Há muito tempo desenvolvi métodos de trabalhar sozinho e creio que isto será bastante oportuno pra mim.

P.C.: Como vc enxerga o exemplo da cena independente de música para o audiovisual?
Caselli: Na verdade, estamos vivendo um momento muito específico na arte em geral. A coisa do digital, código binário, internet está mudando tudo, não só a maneira de se produzir, como a de assimilar e de consumir também. Neste sentido, o audiovisual e a música estão intimamente entrelaçados, pois, além de ninguém precisar mais de grandes gravadoras para fazer CDs e de grandes estúdios para fazer filmes, cada vez mais todos "baixamos" Cds e disco pela internet, o que está gerando colapsos e perplexidades aos tubarões destas áreas. Com o artista, porém, as perdas são menores, pois geralmente os músicos ganham dinheiros nos shows e não nos discos, portanto eles acabam sendo divulgados. Então nada mais honesto que unir o ÁUDIO + o VISUAL para dar samba e gerar um entrosamento verdadeiramente saudável.

P.C: Acredita que já existe uma cena autoral e independente no audiovisual?
Caselli: Não. Estamos todos perplexos diante destas inovações, o que é totalmente compreensível, pois elas surgem a cada segundo. Só lamento que, mesmo diante de tantas possibilidades, ainda se recorre como modelo de inovação às vanguardas dos anos 60, como o Cinema Novo e o Cinema Marginal. Ora, a coisa da idéia na cabeça e a câmera na mão é possível de fato hoje em dia sem que isso seja uma frase provocadora, e as pessoas ainda recorrem aos mesmíssimos modelos dessa época. Glauber virou uma espécie de Che Guevara do cinema, mais um personagem romântico do que um pensador. Com certeza ele estaria em outra hoje e os mais jovens recorrem ao modelo dele dos anos 60. É como se tivessem com saudade do tempo que eles não viveram. Se as pessoas meramente percebessem o quanto pode ser rica a separação AUDIO + VISUAL, tudo seria muito mais amplo, indo muito mais além do mero contar de histórias e coisas do gênero. Mas as coisas estão mudando. Pena que não haja uma espécie de "cena" para fervilhar o momento atual. Mas cabe a nós fazer algo do tipo.

P.C: Na cena de música independente, já existe até uma rede de coletivos alternativos por todo o país que caracteriza esse movimento – o chamado circuito fora do eixo. E uma atividade em comum produzido por esses coletivos é o Grito Rock, que partiu de Cuiabá, do Espaço Cubo. A idéia é criarmos também uma atividade comum em vários lugares já atuantes no audiovisual brasileiro, principiando um circuito independente do audiovisual. a seda é a primeira ferramenta dessa articulação. O que acha disso?
Caselli: Acho sensacional. Essa ‘brodagem’ não só pode dar a força necessária para mostrar os trabalhos, como pode gerar essa cena. E principalmente pra gerar uma cena por aí, fora do eixo Rio-SP. E é legal que vocês não estão excluindo gente que trabalha de forma alternativa mesmo sendo do eixo, como eu. Como afirmei, não atuo de forma coletiva e justo no cinema que é considerado uma arte de equipe! Mas estou disposto a aprender, pois tenho muito a ganhar. Eu lembro por exemplo, em relação a música, o quanto o Chico Science foi importante pra motivar toda uma galera de Pernambuco e até hoje gera frutos. É claro que isso não foi só pela novidade estética que o mangue beat trazia, mas também porque eles aprenderam que com uma andorinha só não faz verão. E até hoje há algo de fervilhante lá. Pena que eu não posso dizer o mesmo do audiovisual de Recife, embora tenha coisas bacanas isoladas. O grande papel de colaboração que esse circuito do audiovisual pode vir a fazer é criar não só uma motivação para a produção de obras audiovisuais interessantes e independentes, como também proporcionar a viabilidade das mesmas. Não é todo mundo, principalmente no Brasil, que tem acesso fácil a tecnologia, e muitas vezes, quanto tem, não sabe utilizá-las da melhor forma possível. Cabe às pessoas organizadas (como vcs, o que não é meu caso!) criarem este tipo de possibilidade e partir pro abraço.

P.C.: Um dos trabalhos em que a próxima cena está apostando para criar o link entre a cena de música independente e o audiovisual são os projetos de videoclipes. Acredita-se que isso pode atrair bandas para o processo do audiovisual e facilitar a difusão do mesmo.
Caselli: Maravilhoso!!! Cara, tem uma coisa que eu tenho que contar pra vocês. Dentro da minha experiência de ex-cinéfilo e com produção cinematográfica, existe um preconceito enorme (e idiota, ao meu ver) quanto a clipes. Pra você ter idéia, se você quiser xingar um filme, principalmente se ele é muito editado, basta dizer que ele parece um clipe. É sério! É claro que tem muito clipe ruim na praça, que existe fórmulas esquemáticas escrotas, mas isto tem em todo segmento audiovisual. Eu costumo dizer que já vi muito clipe melhor do que muito longa, taí os clipes da Björk que não me deixam mentir. Resta então não broxarmos diante deste preconceito, mas também sermos inteligentes para propor regras sempre novas. Até porque, te digo categoricamente: fazer clipe é uma das coisas mais experimentais que eu conheço. Ora, uma vez que exista uma música para se cobrir de imagens, você vai fechar o conceito desta obra da maneira mais múltipla possível. Se você fizer imagens infantis para uma música agressiva, a coisa muda de figura, se fizer cenas de terror para algo que fale sobre amor, tudo vai ter outra interpretação, e assim vai.

P.C: Agora fala mais do seu estilo "anárquico" de produção audiovisual. Já deu pra sentir que tu não é de uma escola tradicional e que tem aversão a palavras como "metodologia" ou "regras"...
Caselli: (risos). Eu uso a limitação ao meu favor. Ao invés de isto ser um empecilho, aproveito que eu tenho poucos elementos para criar uma narrativa peculiar. Logo, a linha de produção influencia diretamente na construção do filme. Exemplo: no vídeo AUTOMUSIC (tem no Youtube), eu só tinha meu corpo e uma câmera e acabei fazendo uma espécie de "clipe automático”, pois a música que não havia antes, passou a existir com a edição do filme. Ou seja, um resultado peculiar com poucos recursos. Eu nunca vou reclamar que não tive orçamento pra fazer tal coisa, por isto ficou ruim, pois o orçamento é que define a criação. É claro que já bolei coisas mais onerosas, mas, quando é assim, só começo quando tem tudo em cima. Outra coisa, como eu já disse: não tenho pudores em obedecer a ordens sobre o-que-é ou o-que-não-é-cinema. Já há um tempo separei o conceito de "cinema" e de "audiovisual" e prefiro enormemente o segundo. Isto deixa as coisas muito mais ricas e amplas, é como se fosse uma libertação. Tomara que eu encha de minhocas as cabeças dos meus alunos e que eles se sintam mais libertos também. Só não podem virar vários "Christiancasellinos" porque ninguém merece. Coitado deles (risos).

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